Lembro que eu estava dando aula para meus alunos do terceiro ano do ensino médio e, como era o final do ano e não tínhamos mais o que fazer, começamos a falar sobre filmes de terror no meio da aula. Muitos ali gostavam do gênero e sabiam que eu sou um fanático por filmes de terror. Em meio à conversa, Pânico entrou na roda, como de praxe em qualquer roda de filmes de terror. Um dos meus alunos disse que achou o filme muito ruim; muito podre. Indignado, fui defender o filme com unhas e dentes e tracei toda uma história dos filmes de terror e como Pânico foi essencial na história do cinema e na revigoração do gênero de horror, que estava completamente desgastado nos anos 90. O aluno mudou de opinião? Não sei, mas ele ficou bem atento à explicação.

De maneira bem resumida, o terror slasher na primeira metade dos anos 90 estava indo ladeira abaixo. Basicamente, tínhamos filmes de franquias que já estavam estabelecidas no cinema e que já não tinham mais para onde ir; apenas atraíam pessoas que tinha uma memória afetiva com essas franquias. A franquia A Hora do Pesadelo teve o péssimo sexto filme e, apesar de ter tido um sétimo filme muito bom, estava enfraquecida e já sofria com o desinteresse do público. Halloween também teve um péssimo sexto filme e a franquia já estava fadada ao fracasso e só viria a mostrar sinais de vida depois do sucesso de Pânico. Sexta-Feira 13 e O Massacre da Serra Elétrica haviam se tornado uma piada de mau gosto delas mesmas comm filmes sofríveis. Kevin Williamson, um grande fã de filmes de terror, sabia que o gênero estava gerando desinteresse e que faltava algo a mais para que as pessoas voltassem a se interessar por slashers novamente. Foi aí que ele teve a ideia de subverter o gênero e criar um universo onde os personagens sabiam da existência dos filmes de terror e das regras desses filmes. Kevin Williamson basicamente introduziu a famosa metalinguagem no filme e é aí que está o trunfo da coisa.

Escrito por Kevin Williamson e dirigido pelo saudoso e revolucionário Wes Craven, Pânico conta a história de Sidney Prescott, interpretada por Neve Campbell, adolescente que começa a achar que a morte de dois adolescentes pelo misterioso assassino Ghostface pode estar ligada a morte de sua mãe um ano antes dos acontecimentos do filme. Enquanto os acontecimentos são cobertos pela repórter oportunista Gale Weathers, interpretada por Courteney Cox, e investigados pelo atrapalhado policial Dewey, interpretado por David Arquette, mais mortes acontecem e mais curiosos ficamos para descobrir quem é o assassino por trás da máscara.

A subversão está presente desde o início do filme. A personagem de Drew Barrymore, que era o nome mais conhecido do elenco, estava em todos os materiais promocionais do filme e todos acreditavam que ela seria a protagonista do filme. Quando o público viu a morte dela logo na cena inicial, simplesmente ficaram incrédulos. A cena inicial, inclusive, é uma das melhores aberturas de filmes da história do cinema. Simplesmente uma aula de direção e roteiro em tela. Sidney, a verdadeira protagonista, é uma mudança brusca no arquétipo de Final Girl. A personagem é uma lutadora, encara os problemas de frente e literalmente sai na porrada com o assassino. Ela é totalmente o oposto do que foi estabelecido nesse tipo de personagem, que era retratada como mulheres frágeis, virgens e que apenas gritavam de maneira histérica. Ghostface, que virou um ícone cultural, também foi uma mudança brusca no arquétipo de assassino. Por trás da máscara havia um humano, uma pessoa comum, então é muito normal o assassino ser confrontado e levar chutes, socos, cair enquanto persegue as vítimas e até ser nocauteado. Isso foi na contramão dos assassinos sobrenaturais e imortais já estabelecidos como Jason Voorhees, Freddy Krueger e Michael Myers e foi uma sacada muito esperta do roteiro ao retratar o assassino de uma forma mais humana.

Ao longo da projeção, o roteiro basicamente brinca com todos os clichês possíveis dos filmes slashers. Os protagonistas do filme sabem dos filmes de terror que existem no mundo real e sabem que existem regras nesses filmes que precisamos seguir caso queiramos sobreviver a um ataque de assassino mascarado. Randy Meeks - um dos melhores personagens do filme - é um nerd dos filmes de terror e sabe tudo sobre o gênero. O conhecimento das regras dos slashers é passado a outros personagens através dele. Ele que alerta para que as pessoas não bebam, não usem drogas, não transem, nunca falem "eu já volto" porque sempre depois dessa fala é certo que a pessoa nunca voltará, e que o assassino sempre volta para um último susto depois de acreditarmos que ele está morto. Toda essa subversão cria um universo verossímil e até engraçado, de um jeito um tanto quanto mórbido.

A obra, claro, não se resume apenas ao conhecimento dos filmes slashers por parte dos personagens e nos entrega uma série de referências ao longo dos 111 minutos de filme. Na fatídica cena inicial, a personagem de Drew Barrymore fala para o assassino que as sequências de hora do pesadelo são ruins. Ainda na mesma cena, a morte da personagem é uma clara referência a Psicose, onde a personagem de Janet Leigh morre antes da metade do filme. Em uma cena no fim do segundo ato, o zelador da escola, interpretado pelo próprio Wes Craven, usa roupas idênticas às de Freddy Krueger e o nome do personagem é Freddy. São tantas referências que é preciso uma lista com todas elas.

Apesar dos triunfos, o filme não escapa de suas falhas e possui alguns momentos que não envelheceram tão bem. A famosa morte do portão elétrico hoje é motivo de risos devido aos efeitos práticos de gosto duvidoso. A cena onde Billy é supostamente esfaqueado por Ghostface não passa muita credibilidade e dá para sacar logo de cara o que aconteceu ali. Billy chutando Gale e ela caindo desmaiada sem mesmo ter batido a cabeça também é um tanto quanto inverossímil e forçada. No entanto, não dá para diminuir o filme por conta de problemas pontuais. Com uma direção primorosa de Wes Craven, a construção do suspense a cada ligação do Ghostface é tensão pura; os momentos do assassino são simplesmente ótimos; e a cada cena tentamos descobrir quem é a pessoa por trás da máscara, sempre tentando ler os personagens em busca de desvendar a identidade do assassino. Esses elementos, atrelados à excelente trilha de Marco Beltrami, transformam o filme em um terror/suspense de primeira linha. Além da construção de um ótimo suspense, o filme nos introduziu um novo assassino e um trio de protagonistas amado até os dias de hoje graças às ótimas atuações de Neve Campbell, Courteney Cox e David Arquette. E claro que não podemos esquecer a interpretação de Roger L. Jackson, que faz a assustadora, sedutora e intimidadora voz de Ghostface.

Goste ou não de Pânico, é preciso admitir e aceitar que é um filme revolucionário. O filme foi um sucesso de crítica e público e um ano depois tivemos a continuação. Depois desse filme, todos os filmes de terror queriam repetir a fórmula. Até mesmo Halloween usou a fórmula Pânico em Halloween H20 - Vinte Anos Depois, lançado dois anos depois de Pânico. A fórmula foi um sucesso e fez a franquia respirar aliviada por um breve momento. O público finalmente voltou a dar atenção aos slashers e até a crítica, que sempre desprezou essa vertente do horror, passou a mostrar interesse pelo gênero.

Contrariando a opinião do meu aluno, Pânico passa longe de ser um filme ruim. Pânico é uma joia; um fenômeno raro e, quando surge um desses, é sempre bom abraçar a ideia, gostando ou não. Não é sempre que temos um filme que entrega uma fórmula nova e cria um impacto cultural gigantesco capaz de influenciar toda uma indústria - Influência essa que perdura até os dias de hoje. Para quem aprecia cinema, obras assim só têm a agregar à sétima arte.
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